segunda-feira, 28 de outubro de 2013
O Trem das Quatro
Amanhecia um sábado na cidade de Nova Era, em Minas Gerais no ano de 1956. Como de costume saia eu e meu pai para passear após o café matinal. Paramos na esquina e trocamos idéia com o Baiano da quitanda e mais abaixo um prosa com o amigo Aclínio da sinuca São José e subimos a avenida Gov. Valadares passando pela ladeira São José e descendo até ao posto Texaco, fazendo esquina com o açougue do Seu Galvão, que tinha um nariz muito estranho para mim, pois parecia uma bolota cheia de buracos. Encontrei algumas bolinhas de gude entre as pedras que calçavam a avenida e fui guardando nos bolsos da calça. Eram bolinhas de diversas cores e algumas com riscos brancos. Neste caminhar encontramos muitas pessoas comentando coisas estranhas, mas caminhando rápido e falando e olhando para trás. Meu pai direcionou o olhar para o foco de onde as pessoas estavam saindo e elas vinham de uma parte mais alta, onde passava o trem da Central do Brasil, que fazia a ligação Nova Era/Belo Horizonte e na nossa cidade também era o entroncamento da Vitória/Minas com conexão para Belo Horizonte. Mas o fato que comentavam estava agora bem perto de nós e ainda cheio de pessoas que falavam que nem abelhas. Sussurravam e olhavam para um quadro muito lastimável a nossa frente: um casal com três filhos sentados na linha do trem. Por alguns instantes ficamos sem entender o que se passava, mas lentamente ouvimos comentários que o casal esperava o trem das quatro passar, pois já tinham perdido o das oito. O casal tinha programado um suicídio coletivo. As pessoas em volta lamentavam a situação, mas não tinham argumento para desfazer o propósito do casal.
Meu pai segurava a minha mão e eu percebia que sua mão estava tremendo, como se uma eletricidade o tocará. Neste instante meu pai fala ao casal:- estas crianças estão com fome e o trem ainda vai demorar muito, pois ainda são nove e meia e ele só passa as quatro. O senhor das crianças lança um olhar para papai, um olhar perdido e diz: - eles estão sem comida há três dias, eu desempregado há mais de mês e para nós não importa mais algumas horas para tudo terminar. Meu pai volta a falar: - eu acho que elas ficaram felizes por alguns instantes, pois ,tenho uma amiga, Sra. Doca que tem uma pensão aqui pertinho (Pensão da Doca), antigo Hotel Nova Era, um pouco acima do campo do Comercial Club e papai meu falou que eles, crianças e casal poderiam ir fazer um lanche e depois voltariam para a linha do trem e a despesa será por conta do papai. O homem olhou para a mulher, se olharam e olharam para as crianças que estavam dormindo por cima de alguns trapos de panos e concordaram com a proposta, mas não desistiram de voltar antes das quatro para consumar o a terrível ideia. Começamos a caminhar em direção a pensão. Eu ia com as crianças e já distribuía as bolinhas de gude que tinha encontrada na rua e as crianças felizes começavam a brincar com elas e nós quatro a correr jogando as bolinhas cada vez mais distantes para apanhar e jogar novamente.
Chegamos na pensão e papai explicou a situação para Doca que de pronto falou: - Estas crianças precisam de um banho antes de lanchar, estão muito sujas. E lá foram todas para o banheiro com sua mãe. Eu, meu pai e o senhor do casal ficamos na recepção da pensão. Nisto meu pai pergunta para ele qual a profissão que tinha. Ele responde que é carpinteiro , melhor, trabalha com a “Plaina” e é conhecido como “João da Plaina”. Meu pai então falou: - Tenho um amigo que é dono de uma carpintaria e é bem aqui pertinho, vamos lá enquanto as crianças tomam banho. O Joao deu um olhado desacreditado, deu nos ombros e falou vamos. Eu fui junto e assisti o seguinte diálogo: bom dia. Este senhor aqui é carpinteiro e como você tem uma carpintaria, trouxe ele aqui para ver se arrumamos um emprego para ele. O dono da carpintaria falou: - Estou precisando mesmo é de um que trabalhe na Plaina e precisa ser muito bom. Ouve um silêncio. Parecia que toda a cidade naquele instante parava de respirar. Foi entregue ao João uma plaina e uma madeira. Quando o homem segurou a plaina e levou na madeira foi um espanto só. O João era muito bom naquilo e recebeu na mesma hora a palavra: - ta empregado, começa segunda feira, pois hoje é sábado e já estamos fechando. Voltamos a pensão e lá encontramos as crianças limpinhas e sentimos um cheiro de almoço que saia da cozinha pois já passava do meio dia. A Doca chega e fala assim: - esta mulher é muito boa de fogão, rápida para fazer um almoço e que tempero e digo se vocês forem ficarem por aqui ela esta empregada e podem morar nos fundos, toda a família. Foi uma festa só. Às treze horas almoçamos na pensão, tomamos guaraná, jogamos bolinhas de gude na calçada e quando deu as quatro horas estávamos saindo da pensão quando ouvi o apito do trem.....e...ele passou.
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